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24 de Abril de 2024

Advogado obteve droga não testada para mãe com câncer

Ele conseguiu fosfoetanolamina via STF, mas especialistas criticam falta de segurança

Publicado por Gustavo Escher
há 9 anos

Ao acionar a Justiça solicitando acesso a uma droga contra câncer que jamais foi testada em humanos, o advogado Dennis Cincinatus agiu no desespero. Sua mãe, Alcilena Cincinatus, de 68 anos, tem tumores no fígado e no pâncreas, está em fase terminal. Mas, quando saiu a liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) o autorizando a obter cápsulas de fosfoetanolamina sintética, ele não imaginava que desencadearia um efeito cascata.

Mesmo ainda sem caráter definitivo, a decisão assinada pelo ministro Edson Fachin levou o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) a obrigar a Universidade de São Paulo (USP), que conduz pesquisas com a droga, a distribuir a substância a centenas de pessoas que já vinham movendo ações para isso. Desde terça-feira, filas se formam na porta do Instituto de Química no campus da instituição em São Carlos, no interior do estado, para retirar doses de fosfoetanolamina.

- Imagina você ver sua mãe pesando 33kg? Se minha mãe não estivesse assim eu não apelaria para este tratamento. Nosso médico explicou que não há comprovação, mas nos deixou à vontade para usar - conta o advogado Dennis Cincinatus, morador do Rio, que conseguiu a liminar no STF quinta-feira da semana passada. - Não imaginava que iria criar alarde. Mas acho que cada um deve consultar seu médico.

Cientistas da área médica, porém, são contundentes ao afirmar que é uma irresponsabilidade autorizar acesso público a uma droga antes de realizados os testes em seres humanos. As qualidades anticancerosas da substância só foram testadas em animais e em células humanas em laboratório. A própria USP divulgou nota dizendo que a fosfoetanolamina não é remédio. E a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informa que não há sequer pedido de teste e que, portanto, seria impossível garantir sua segurança.

Cincinatus perdeu o pai para o câncer há cinco anos. Ele vinha buscando diferentes formas de tratamento para salvar a mãe. Foi quando um tio falou sobre a droga que vem sendo estudada na USP. Pesquisando, ele encontrou diferentes grupos de pessoas nas redes sociais tratando a fosfoetanolamina como um remédio milagroso. Para o advogado, é a "última chance".

- Vi diversas imagens de regressão de tumores em outros pacientes. Ninguém falou de efeitos colaterais. Minha mãe está em fase terminal, esta é nossa última chance - conta o advogado. - A indústria não divulga isso porque os tratamentos existentes são caros. Minha mãe gasta R$ 15 mil por mês, mas tem plano médico.

Coordenador do programa de pós-gradução em Bioética da Universidade de Brasília (UnB), Volnei Garrafa, que é membro do Comité Internacional de Bioética da Unesco, foi um dos especialistas a criticar as decisões judiciais:

- Quem autorizou isso é um irresponsável. Não se pode liberar uma substância sem comprovação de eficácia, não há segurança nenhuma para os pacientes dessa forma. Com isso, a Justiça abriu uma fresta que pode colocar a represa abaixo.

Nesta quinta-feira, o ministro Fachin explicou que concedeu liminar a Cincinatus porque as informações repassadas a ele deixaram claro que a decisão era fundamental para garantir a saúde da paciente. E afirmou que o uso do medicamento não implica em prejuízo à ordem pública, mas admitiu que pode rever a decisão.

— Os elementos indicaram que estavam presentes os pressupostos para a concessão da medida cautelar — declarou o ministro, que explicou que a defesa da paciente entrou com uma petição, mas o instrumento jurídico ideal era um recurso extraordinário. Por isso, deu prazo de dez dias para a defesa entrar com o procedimento correto, quando poderá reformar sua decisão, se considerar conveniente.

O presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Evanius Wiermann, chama a atenção para a falta de informações sobre efeitos colaterais, interações medicamentosas e do perigo de os pacientes abandonarem seus tratamentos convencionais. Segundo ele, não bastam testes em animais de laboratório: é preciso avançar à fase clínica, em que os exames acontecem em humanos, inclusive com a comparação com o placebo, com os medicamentos padrões e de doses diversas. De mil substâncias promissoras, segundo ele, apenas uma chega à aprovação final.

- Toda droga tem de passar pelos procedimentos - alerta o oncologista. - Entendo o desespero, mas é preciso cautela. As pessoas já acreditaram que a babosa e o cogumelo-do-sol ajudavam no tratamento do câncer.

O oncologista Carlos Gil conheceu a fosfoetanolamina há três anos, quando era coordenador da Rede Nacional de Fármacos Anticâncer, um programa do Ministério da Saúde voltado à avaliação de compostos químicos para o desenvolvimento de anticancerígenos. A substância não foi aprovada por sua equipe.

- Nosso parecer era que a molécula tinha potencial, mas os estudos não estavam completos - diz Gil, pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino.

Coordenador de estudos com a substância, o pesquisador aposentado Gilberto Chierice não foi encontrado pela equipe do GLOBO. O médico e pesquisador Renato Meneguelo, que estudou a fosfoetanolamina sintética na USP, revoltou-se com a posição da unidade:

— A gente fez um trabalho, defendeu em bancadas, e agora não tem comprovação? Publiquei a primeira tese que fala do composto em tumores e melanoma em 2007. Há trabalhos indexados em revistas internacionais dizendo que a fosfoetanolamina funciona em tumores.


Fonte: oglobo

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/advogado-obteve-droga-nao-testada-para-mae-com-cancer/243533717

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O paciente que tem câncer não está preocupado com algum efeito colateral, até porque, não conheço medicações com mais efeitos colaterais do que os quimioterápicos usados, e que patrocinam viagens de médicos a congressos, oferecem cartões de crédito...não se está pensando no doente,muito menos a ANVISA. Os estudos deviam estar avançados e os resultados publicados. Deviam saber em que casos o medicamento é indicado, qual a dosagem terapêutica, efeitos colaterais, custo do tratamento...enquanto isso não acontece, fiquemos na torcida para que esta doença não alcance nossos familiares e nem a nós mesmos, pois a desgraça não atinge somente o vizinho. continuar lendo

Concordo. A maior responsabilização à vida é do paciente. Em ele estando com os dias contados, ou estando desenganado...que mal fará? Pela vida tem que se tentar de tudo! E, é isso mesmo, ao que consta, a quimioterapia, esta sim, deixa efeitos colaterais, já comprovados. Ao invés de se combater a fosfoetanolamina, dever-se-ía correr para industrializá-la o mais rápido possível. Os testes foram feitos ..pessoas melhoraram...e, assim, que se façam coletas destes exames! continuar lendo

"O paciente que tem câncer não está preocupado com algum efeito colateral"... ATÉ os efeitos colaterais ACONTECEREM. A pesquisa médica no Brasil é lenta e não tem patrocinadores. Isso é fato, mas não é desculpa para agirmos insensatamente.
Um juiz determinar que drogas sejam ministradas sem a comprovação prévia de sua atuação e sem a demonstração de seus efeitos colaterais é "fazer cortesia com o chapéu alheio". É extrapolar, E MUITO, o exercício de suas funções. Se o paciente tiver um efeito colateral pior que a doença, não será esse juiz que será responsabilizado pela inconsequência. Será o poder público que vai pagar a indenização, e o paciente estará ainda mais doente em resultado dessas experimentações empíricas.
Fazendo um exercício de lógica do absurdo: como as células cancerosas crescem mais vagarosamente no espaço sideral, os juízes demandados começarão a determinar que o Estado brasileiro pague passagens e hospedagem na Estação Espacial Internacional (ISS).
E antes que os emotivos comecem a emitir opiniões raivosas, informo que sim, já perdi pessoas para o câncer. Mas não recorri a garrafadas desconhecidas, exorcismos em igrejas evangélicas ou tratamentos milagrosos e obscuros. Não porque não quisesse, mas por ter certeza de que os resultados poderiam ser piores que o câncer. continuar lendo

Passar por um câncer em família conhece como algo desesperador. Só quem passa ver o paciente sofrer com o tratamento quimioterápico, radioterápico , e a doença avança , principalmente quem tem células com metástase. O Sofrimento não se restringe ao paciente, se estende aos familiares que estão em volta, e, termina com a morfina, com o falecimento. Entendo perfeitamente a atitude do advogado, que, tenta de tudo para salvar sua mãe, uma vez que perdeu seu pai com a mesma doença. Devemos sempre nos posicionar em lugar do outro, uma vez se tratando de pai e mãe. O Sofrimento aos familiares portadores do câncer , tenta de tudo para salvar a vida do seu ente querido. Qualquer coisa é uma esperança,! A justiça brasileira deveria rever seus conceitos. continuar lendo

Entendo a questão de ser necessário tomar precauções, mas pelo que entendi, o medicamento foi liberado para pessoas que não tem outra chance, isto é, o máximo que pode acontecer é o tratamento não dar resultado e as pessoas falecerem.
Parabéns ao STF e ao TJ/SP pelas decisões que, diante dos casos concretos, colocam a vida e a saúde na frente de procedimentos continuar lendo

De qualquer modo, morrer de câncer seria então mais seguro do que tentar um medicamento experimental com bons resultados iniciais, é isso que os "especialistas" defendem ? continuar lendo